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Luis Alberto de Herrera:Princípios Diplomáticos e de Negociação na Defesa da Soberania Uruguaia

Dr. Ricardo Petrissans Aguilar

17 abr, 2025

Introdução:
Luis Alberto de Herrera (1873–1959), figura central da política uruguaia durante a primeira metade do século XX, foi um estrategista cuja visão diplomática e capacidade de negociação definiram não apenas o rumo de seu partido (o Partido Nacional), mas também a postura internacional do Uruguai frente aos desafios de um mundo em transformação.
Advogado, jornalista e estadista, Herrera combinou um nacionalismo enraizado com um pragmatismo astuto, defendendo a soberania uruguaia em um contexto de pressões imperialistas, conflitos globais e reconfigurações geopolíticas. Este artigo explora os princípios que guiaram seu pensamento e ação em matéria internacional, destacando como seu legado influenciou a identidade diplomática do Uruguai e o equilíbrio de poder na América Latina.

Contexto Histórico: Uruguai entre o Batllismo e o Imperialismo:
Para entender Herrera, é essencial situá-lo no Uruguai do início do século XX, marcado por:

  • O modelo batllista: sob a liderança de José Batlle y Ordóñez (1903–1907; 1911–1915), o Uruguai se consolidou como um laboratório de reformas sociais e laicas, mas também como um Estado centralista com toques socialistas marcados, que Herrera criticou desde o nacionalismo conservador.
  • Pressões externas: o país enfrentava interesses econômicos britânicos em suas ferrovias, a influência dos Estados Unidos na América Latina tentando deslocar a influência britânica, especialmente após a conclusão da Segunda Guerra Mundial, e as ambições territoriais do Brasil e da Argentina.
  • Cenários globais: as duas guerras mundiais e a Guerra Fria precoce exigiram que o Uruguai definisse sua posição em um sistema internacional polarizado.

Neste cenário, Herrera emergiu como uma voz crítica do intervencionismo e defensor de uma política externa independente.

Princípios Fundamentais da Diplomacia Herrerista:

A) Soberania Nacional como Valor Absoluto:
Para Herrera, a soberania não era negociável. Ele rejeitava qualquer acordo que comprometesse a autonomia política, econômica ou cultural do Uruguai:

  • Oposição ao panamericanismo instrumentalizado: criticou as conferências pan-americanas impulsionadas pelos EUA, vendo-as como mecanismos de dominação. Em 1923, na Conferência de Santiago do Chile, denunciou que o panamericanismo era usado para “subordinar os fracos sob a égide dos fortes”.
  • Defesa intransigente da neutralidade: durante as duas guerras mundiais, defendeu a manutenção da neutralidade do Uruguai, resistindo às pressões dos aliados e do Eixo.

B) Não Intervenção e Autodeterminação:
Herrera foi pioneiro na aplicação do princípio da não intervenção, antecipando-se à Doutrina Estrada (1930) mexicana:

  • Crítica à intervenção dos Estados Unidos na América Central e no Caribe: condenou a ocupação da Nicarágua (1912–1933) e o protetorado em Cuba, argumentando que violavam o direito internacional.
  • Apoio a governos legítimos: durante a Guerra Civil Espanhola (1936–1939), defendeu o direito do governo republicano de não ser intervencionado por potências fascistas.

C) Latinoamericanismo Crítico:
Embora cético do panamericanismo liderado pelos EUA, Herrera promoveu a unidade latino-americana com base em interesses comuns:

  • Solidariedade com o Paraguai durante a Guerra do Chaco (1932–1935): o Uruguai, sob sua influência, mediou no conflito e apoiou a soberania paraguaia diante da Bolívia.
  • Diplomacia cultural: impulsionou a criação de instituições como o Instituto Cultural Uruguaio-Argentino (1940) para fortalecer os laços regionais sem subordinação a potências extracontinentais.

D) Pragmatismo Econômico e Defesa dos Recursos:
Herrera entendeu que a independência política exigia autonomia econômica:

  • Nacionalização de serviços públicos: apoiou a estatização das ferrovias e portos para reduzir a dependência de capitais britânicos.
  • Protecionismo seletivo: promoveu tarifas para proteger a indústria nacional, embora sem isolar o país do comércio global.

Realpolitik nas Relações Bilaterais
Embora idealista nos princípios, Herrera foi flexível na prática:

  • Relações com Brasil e Argentina: Negociou acordos de limites e comerciais evitando alinhar-se com nenhum, mantendo o Uruguai como “Estado tampão” equilibrado.
  • Diálogo com potências extracontinentais: nos anos 1930, explorou acordos comerciais com a Alemanha e a Itália para contrabalançar a influência anglo-americana, embora sem apoiar suas ideologias totalitárias.

Casos de Estudo: A Diplomacia Herrerista em Ação:

A) A Crise de 1923: Herrera vs. o Panamericanismo:
Na Conferência Pan-Americana de Santiago do Chile (1923), Herrera, como delegado uruguaio, se opôs à criação de uma Corte Interamericana de Justiça impulsionada pelos EUA, argumentando que isso minaria a soberania jurídica dos países pequenos. Seu discurso, lembrado como “a defesa dos fracos”, marcou um marco na resistência ao hegemonismo regional.

B) Neutralidade na Segunda Guerra Mundial:
Enquanto o presidente Alfredo Baldomir (1943–1947) rompía relações com o Eixo sob pressão dos Estados Unidos, Herrera criticou a medida desde o Senado:

  • “A neutralidade é um escudo, não uma rendição”: Argumentou que alinhar-se com os Aliados exporia o Uruguai a represálias econômicas e perda de autonomia.
  • Impacto posterior: Sua postura influenciou para que o Uruguai mantivesse uma neutralidade prática, comerciando com ambos os lados até 1945.

C) A Luta Contra o Imperialismo Econômico:
Em 1942, liderou a oposição ao tratado comercial com os EUA que obrigava o Uruguai a comprar maquinaria obsoleta em troca de exportar lã. Após meses de debate, conseguiu renegociar cláusulas, garantindo preços justos e transferência de tecnologia.

Herrera e a Guerra Fria: Anticomunismo sem Alinhamento:
Nos primeiros anos da Guerra Fria, Herrera adotou uma postura singular:

  • Rejeição ao comunismo: considerava-o uma ameaça à identidade nacional e à propriedade privada.
  • Ceticismo quanto ao alinhamento com os EUA: criticou o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR, 1947), argumentando que isso transformaria o Uruguai em “um soldado a mais do exército norte-americano”.
  • Defesa do não alinhamento ativo: propôs que o Uruguai liderasse um bloco de países neutros na América Latina, ideia que antecipou o Movimento dos Países Não Alinhados (1961).

Legado e Críticas: Entre o Nacionalismo e o Isolamento:

A) Influência na Política Externa Uruguaia:

  • Doutrina da não intervenção: seu pensamento permeou a política externa uruguaia, visível em sua oposição à invasão da Playa Girón (1961) e seu voto contra a expulsão de Cuba da OEA (1962).
  • Modelo de neutralidade ativa: o Uruguai manteve relações diplomáticas com múltiplos regimes durante a Guerra Fria, desde a Cuba castrista até a África do Sul do apartheid, priorizando interesses comerciais sobre ideologias.

B) Críticas e Contradições:

  • Tolerância a ditaduras latino-americanas: embora antiimperialista, foi ambíguo frente a regimes autoritários como o de Vargas no Brasil, priorizando a estabilidade regional.
  • Nacionalismo econômico míope: alguns analistas apontam que seu protecionismo retardou a modernização industrial do Uruguai.

C) Herrera no Século XXI:
Sua defesa da soberania ressoa nos debates atuais:

  • Tratados de livre comércio: suas advertências sobre assimetrias nas negociações com potências poderiam ser projetadas nos dias atuais em críticas ao Mercosul e à Aliança do Pacífico.
  • Integração regional vs. globalização: seu latinoamericanismo crítico inspira movimentos que rejeitam o neoliberalismo sem cair no isolacionismo.

Conclusão: O Soberanismo como Arte Diplomática:
Luis Alberto de Herrera não foi um teórico de salão, mas um negociador que entendeu que a diplomacia é a arte de proteger o essencial sem fechar portas. Em um mundo onde as grandes potências buscavam redesenhar mapas e esferas de influência, soube transformar o Uruguai —um país pequeno— em um ator com voz própria.
Seu legado, mais do que uma série de princípios rígidos, é um método: analisar cada conjuntura a partir da identidade nacional, negociar sem submissão e lembrar que, em política externa, não há aliados permanentes, apenas interesses permanentes. Como ele mesmo afirmou: “A independência não se dá, se defende”. Nessa máxima, o Uruguai encontrou um rumo, e a América Latina, um espelho no qual ainda pode se refletir.
Herrera foi um quebra-cabeça de concepções complexas que precisavam ser harmonizadas: nacionalista, mas cosmopolita; tradicionalista, mas modernizador. Sua maior lição é que a coerência em política externa não é seguir um manual, mas defender, com astúcia e coragem, aquilo que torna uma nação única.

A Defesa da Identidade Nacional:
Herrera viu na cultura um front de resistência contra a homogenização imperialista:

  • Promoção do revisionismo histórico: apoiou interpretações do passado que destacassem figuras nacionais como Artigas, apresentando-o como símbolo de independência frente a Buenos Aires e Rio de Janeiro.
  • Proteção do gaúcho como ícone: combateu políticas que buscavam “europeizar” o campo, defendendo tradições rurais como o folclore e a payada.

Relações com a Igreja Católica:
Embora laico, Herrera negociou com a Igreja para obter apoio contra o batllismo anticlerical:

  • Concórdia de 1940: apoiou acordos que devolveram propriedades eclesiásticas, garantindo o apoio dos setores conservadores.

Herrera e o Movimento Sindical:
Sua relação com os sindicatos foi ambivalente:

  • Apoio às demandas trabalhistas rurais: mediou em conflitos de peões de estância, buscando evitar a radicalização esquerdista.
  • Rejeição ao anarquismo e ao comunismo: perseguiu sindicatos influenciados por ideologias estrangeiras, priorizando a “identidade nacional” sobre a luta de classes.

Herrera em Washington, a Guerra do Chaco e a Segunda Guerra Mundial:

Missão Diplomática em Washington: Defesa da Soberania na Corte do Império:
Luis Alberto de Herrera atuou como ministro plenipotenciário do Uruguai em Washington entre 1919 e 1921, um período crítico em que os Estados Unidos emergiam como potência global após a Primeira Guerra Mundial. Sua missão não foi protocolar, mas uma trincheira onde defendeu os interesses uruguaios frente ao crescente imperialismo econômico e político norte-americano.

  • a) Negociações Comerciais e o Fantasma do Panamericanismo:
    Herrera chegou a Washington quando o panamericanismo, promovido pelo presidente Woodrow Wilson, buscava consolidar os EUA como líder hemisférico. Desde o início, adotou uma postura crítica:
    • Oposição à ingerência nos assuntos internos: rejeitou propostas norte-americanas de padronizar políticas tarifárias na América Latina, argumentando que violavam a soberania econômica do Uruguai.
    • Defesa do modelo batllista: diante das críticas de setores conservadores norte-americanos às reformas sociais de Batlle e Ordóñez, Herrera defendeu publicamente a legislação trabalhista uruguaia como “um farol de justiça em um continente desigual”.
  • b) O Caso do Porto de Montevidéu:
    Em 1920, Herrera negociou com sucesso com o Departamento de Estado para evitar que empresas norte-americanas monopolizassem a modernização do porto de Montevidéu. Conseguiu um acordo misto onde o Uruguai reteve 51% das ações, estabelecendo um precedente contra a exploração estrangeira de infraestrutura estratégica.
    • Frase célebre: “Não vendemos pedaços da Pátria; alugamos ferramentas para construí-la”.
  • c) Relações com o Congresso dos EUA:
    Herrera cultivou vínculos com senadores isolacionistas, como William Borah, para contrabalançar a influência do intervencionismo rooseveltiano. Sua estratégia foi apresentar o Uruguai como um aliado comercial confiável, mas não subordinado.

A Guerra do Chaco (1932–1935): Uruguai como Mediador e Herrera como Estrategista:
Embora a Guerra do Chaco tenha enfrentado o Paraguai e a Bolívia pelo controle de uma região semiárida rica em petróleo, o Uruguai — sob a influência de Herrera — desempenhou um papel chave como mediador neutro.

  • a) Diplomacia da Paz em um Conflito Sangrento:
    Herrera, desde o Senado e a imprensa, impulsionou a postura uruguaia:
    • Neutralidade ativa: O Uruguai ofereceu seu território (em Punta del Este) para negociações de paz em 1933, embora a conferência tenha falhado devido à intransigência boliviana.
    • Apoio tácito ao Paraguai: Herrera simpatizou com a causa paraguaia, lembrando a aliança histórica contra o Brasil e a Argentina na Guerra da Tríplice Aliança (1864–1870). No entanto, manteve o Uruguai como facilitador imparcial.
  • b) O Protocolo de Paz de 1935:
    Quando a Liga das Nações falhou em deter a guerra, o Uruguai — junto com a Argentina, o Brasil e o Chile — integrou o Grupo de Mediadores do ABCP. Herrera pressionou para que o acordo final garantisse:
    • Limites definidos por arbitragem internacional, e não pela força.
    • Proteção dos direitos indígenas na região do Chaco, uma demanda pioneira na época.
    • O Tratado de Paz de 1938, que concedeu 75% do Chaco ao Paraguai, refletiu sua visão de que “as fronteiras são desenhadas com tinta, não com sangue”.

A Guerra do Chaco: Entre o Deserto e a Diplomacia:
Nos anos 30, enquanto o mundo mergulhava na Grande Depressão, outro conflito eclodia no coração da América do Sul: a Guerra do Chaco, onde o Paraguai e a Bolívia se sangravam por um território árido que escondia, supostamente, rios de petróleo. Herrera, de sua tribuna no Senado uruguaio, viu nesse conflito uma oportunidade e um perigo.

  • A oportunidade: posicionar o Uruguai como mediador neutro em um cenário onde até a Liga das Nações falhava.
  • O perigo: que as ambições do Brasil ou da Argentina transformassem o Chaco em um novo campo de batalha por influências.

O Uruguai, sob sua influência, ofereceu suas praias de Punta del Este para negociações de paz. Herrera não se limitou a ceder território; teceu alianças. Sabia que o Paraguai, ainda ferido pela Guerra da Tríplice Aliança (1864–1870), desconfiava dos grandes vizinhos. Por isso, armou uma rede de apoios discretos: enviou médicos uruguaios a Assunção, pressionou para que a imprensa montevideana narrasse o sofrimento paraguaio e, nas sombras, garantiu que os navios carregados de armas brasileiras não cruzassem o Rio da Prata.
Quando, em 1935, o Protocolo de Paz foi assinado, Herrera não celebrou. Sabia que as fronteiras desenhadas em mapas não curavam ódios ancestrais. Mas havia conquistado algo maior: o Uruguai, sem exércitos ou petróleo, havia sido ouvido. “No deserto do Chaco”, escreveu, “plantamos uma árvore chamada mediação. Que ela dê sombra àqueles que virão”.

Segunda Guerra Mundial: A Neutralidade como Escudo e Espada:

Para 1942, o mundo ardia. Os tanques alemães avançavam sobre Stalingrado, os aviões japoneses bombardeavam Pearl Harbor e os Estados Unidos exigiam lealdade. No Uruguai, o presidente ditador Alfredo Baldomir, sob pressão, rompeu relações com o Eixo. Herrera, do seu banco no Senado, levantou a voz como um trovão: “A neutralidade não é covardia; é o escudo dos que não querem ser carne de canhão”.
Sua postura não era simples obstinação. Herrera via na guerra um jogo de impérios onde o Uruguai, mais uma vez, arriscava sua autonomia. Por que enviar soldados para morrer na Europa se o Rio da Prata já tinha seus próprios fantasmas? Ele se lembrava do episódio do Graf Spee: em 1939, o encouraçado alemão, cercado pela frota britânica, procurou refúgio em Montevidéu. O governo uruguaio, sob pressão de Londres, deu ao capitão Hans Langsdorff 72 horas para partir. Herrera apoiou a decisão, mas quando o navio afundou frente à costa, viu o gesto como um presságio: “Somos espectadores forçados de tragédias alheias”, lamentou.
Durante a guerra, Herrera negociou nas sombras. Aceitou que o Uruguai exportasse lã para os Aliados, mas protegeu empresas com donos alemães. “O inimigo não está em nossos portos”, argumentava, “mas em nos perdermos a nós mesmos”. Quando em 1945 o Uruguai declarou guerra ao Eixo —um gesto simbólico— ele já planejava o futuro: “A paz virá, e com ela, novos senhores. Nos cabe garantir que não nos comprem”.

A posição de Herrera durante a Segunda Guerra Mundial foi uma das mais controversas e consistentes com seu ideário soberanista.

a) Crítica à Ruptura com o Eixo:
Em 1942, o presidente ditador General Alfredo Baldomir —sob pressão dos EUA— rompeu relações diplomáticas com a Alemanha, Itália e Japão. Herrera, do Senado, liderou a oposição:
Argumentos estratégicos: Alertou que alinhar-se com os Aliados exporia o Uruguai a ataques de submarinos alemães e à perda de mercados europeus.
Argumentos morais: denunciou a hipocrisia dos EUA, que exigiam lealdade enquanto mantinham campos de internamento para japoneses-americanos.

b) Neutralidade Prática vs. Neutralidade Ideológica:
Embora o Uruguai tenha declarado guerra ao Eixo em 1945 (sob o presidente constitucional Juan José de Amézaga), Herrera conseguiu que o país mantivesse uma neutralidade de fato:
Comércio controlado com ambos os lados: O Uruguai exportou lã e carne para os EUA, mas evitou sanções a empresas com vínculos alemães, como a cervejaria Norteña, propriedade de imigrantes germano-uruguaios.
Proteção de cidadãos do Eixo: recusou extraditar refugiados alemães e italianos, a menos que crimes de guerra fossem provados.

c) O Incidente do Graf Spee:
Em 1939, o encouraçado alemão Admiral Graf Spee se refugiou em Montevidéu após a Batalha do Rio da Prata. Herrera apoiou a decisão do governo de dar ao capitão Hans Langsdorff 72 horas para partir, sob pressão britânica. No entanto, criticou a posterior destruição do navio, vendo-a como uma rendição a interesses estrangeiros:
“O Rio da Prata não é um palco para tragédias europeias”.

Legado de uma Diplomacia Soberana:
As intervenções de Herrera nestes três fronts —Washington, o Chaco e a Segunda Guerra— revelam um fio condutor: a convicção de que um país pequeno pode ser ator, não espectador, no palco global.
Em Washington, demonstrou que a firmeza intelectual pode equilibrar a assimetria de poder.
No Chaco, provou que a mediação neutra não implica passividade, mas sim liderança ética.
Na Segunda Guerra, defendeu que a neutralidade não é covardia, mas um cálculo estratégico para preservar a independência.

A Arte de Negociar da Periferia:
Herrera não tinha exércitos nem petróleo, mas usou o que tinha: inteligência, audácia e uma fé inabalável na soberania uruguaia. Em uma era onde as potências acreditavam que o mundo se dividia entre fortes e fracos, ele lembrou que até o menor pode negociar se entender suas fortalezas. Como escreveu em El Uruguay Internacional (1930): “Nossa bandeira não é grande em território, mas é imensa em dignidade”. Essa dignidade, defendida em Washington, no Chaco e nos anos sombrios da guerra, é seu legado duradouro.
Quando Luis Alberto de Herrera chegou a Washington em 1919, a capital americana respirava o ar triunfal de uma potência emergente. A Primeira Guerra Mundial havia consolidado os Estados Unidos como árbitro global, e sua influência econômica se estendia sobre a América Latina como uma rede invisível. Herrera, com seu traje impecável e olhar de falcão, não se deixou deslumbrar. Sabia que sua missão não era ganhar favores, mas defender o Uruguai —um país pequeno, mas orgulhoso— na corte do novo império. Nas recepções diplomáticas, onde o champanhe fluía e os sotaques europeus se misturavam com as ambições norte-americanas, Herrera falava de soberania. Não como um grito, mas como um lembrete: “As nações não são medidas pelo tamanho, mas pela dignidade”.
Sua batalha mais emblemática em Washington foi pelo porto de Montevidéu. Empresas americanas, ávidas por controlar rotas marítimas, pressionavam para monopolizar sua modernização. Herrera, em vez de rejeitar o investimento estrangeiro, o domesticou. Negociou um acordo onde o Uruguai conservava 51% das ações. “Não vendemos pedaços da pátria”, declarou à imprensa, “alugamos ferramentas para construí-la”. A mensagem era clara: o progresso não exigia render bandeiras. Anos depois, esse porto se tornaria símbolo de uma independência econômica que Herrera defendeu como um sacerdócio.

Legado: A Arte de Ser Pequeno em um Mundo de Gigantes:
Herrera morreu em 1959, mas seu fantasma continua a percorrer a diplomacia uruguaia. Em cada tratado de livre comércio discutido, em cada debate sobre neutralidade em conflitos alheios, sua voz ressoa: “Negociar não é ceder; é trocar sem se vender”.

Hoje, quando as potências disputam o lítio dos Andes ou a soja da Pampa, o Uruguai continua aplicando seu manual tácito: falar claro, agir com prudência e lembrar que, no tabuleiro global, até um peão pode dar xeque se conhecer seu valor”. Herrera não tinha exércitos nem petróleo, mas tinha algo mais poderoso: a certeza de que a soberania não se herda, se defende. E nessa defesa, o Uruguai encontrou seu lugar no mundo.

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