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Eduardo Frei Montalva e seu Estilo de Negociação Política: Uma Análise Integral

Dr. Ricardo Petrissans Aguilar

21 mar, 2025

Introdução: O Estadista Construtivista
Eduardo Frei Montalva (1911-1982) encarnou um modelo singular de liderança negociadora na história política chilena, combinando princípios democrata-cristãos com pragmatismo reformista. Seu estilo de negociação – desenvolvido durante sua presidência (1964-1970) e seu papel como opositor ao governo de Allende – oferece um caso paradigmático de como articular mudanças estruturais mediante o diálogo institucional em contextos de alta polarização.

Fundamentos Doutrinários de sua Abordagem Negociadora:
a) O humanismo político:
Sua formação na doutrina social cristã lhe proporcionou uma base ética de negociação baseada em:

  • O conceito de “bem comum” como horizonte final
  • A busca por “terceiras vias” entre capitalismo e socialismo
  • A convicção de que “a política é a arte de tornar possível o necessário” (como costumava citar Jacques de Maritain)

b) A doutrina das reformas estruturais:
Desenvolveu uma metodologia negociadora gradualista para mudanças profundas:

  • Diagnóstico técnico rigoroso (por exemplo: estudos prévios à reforma agrária)
  • A construção de acordos transversais
  • A implementação por etapas com mecanismos de ajuste

c) Teoria do diálogo como arquitetura institucional:
Para Frei, a negociação política não era mera tática, mas um elemento constitutivo do sistema democrático, o que se manifestou em sua “política dos acordos” com a oposição conservadora e a esquerda.

Características essenciais do Estilo Frei Montalva:
O Método das “Convergências Progressivas”:
Desenvolveu uma técnica negociadora única para avançar reformas em um Congresso hostil:

  • Identificação de “mínimos irredutíveis” em cada setor
  • Construção de maiorias ad hoc por projeto
  • Uso de “leis-quadro” que permitiam ajustes posteriores

A Diplomacia Doméstica:
Sua capacidade de construir pontes entre atores antagônicos se manifestou em:

  • Jantares semanais com líderes opositores em sua residência de Hindenburg
  • O sistema de “comissões técnicas mistas” para projetos-chave
  • A criação do Ministério do Interior como verdadeira “chancelaria interna”

A Linguagem da Unidade Nacional:
Desenvolveu um discurso negociador que transcendia divisões ideológicas:

  • Uso sistemático do “nós” inclusivo
  • Referências a símbolos pátrios compartilhados
  • Constante apelo ao “interesse nacional” como marco superior

Estratégias-Chave em Negociações Complexas:
A “Chilenização” do Cobre (1967):
Demonstrou maestria ao negociar simultaneamente com:

  • Empresas norte-americanas (pressão por meio de estudos técnicos)
  • Nacionalistas (oferecendo participação gradual)
  • Setores empresariais (garantindo estabilidade jurídica)

A Reforma Agrária:
Aplicou seu método de “negociação em camadas”:

  • Acordo com a Sociedade Nacional de Agricultura sobre mecanismos
  • Pacto com a esquerda sobre percentuais de expropriação
  • Compensações negociadas caso a caso

A Crise de 1967:
Diante do primeiro grande descontentamento social, implementou:

  • “Mesas de diálogo” setoriais
  • Reformulação do gabinete incluindo técnicos independentes
  • Uso da mídia para explicar diretamente as medidas

Instrumentos Inovadores:
O Sistema de “Compromissos Escalonados”:
Documentos negociados com:

  • Compromissos públicos gerais
  • Anexos técnicos confidenciais
  • Cláusulas de revisão periódica

A “Diplomacia Presidencial Direta”:
Visitou pessoalmente:

  • 156 localidades em seu primeiro ano (recorde na época)
  • Fábricas em conflito para negociar in loco
  • Universidades para dialogar com a oposição juvenil

O Uso de Especialistas como Mediadores:
Criou equipes técnicas interdisciplinares que:

  • Traduziram conflitos políticos em linguagem técnica
  • Geraram múltiplas opções para cada negociação
  • Avaliaram impactos de possíveis acordos.

Avaliavam impactos de possíveis acordos.

Limitações e Desafios:
a) O paradoxo do Centro Reformista:
Sua posição intermediária lhe rendeu críticas de:

  • A direita (por “abrir as comportas ao marxismo”).
  • A esquerda (por “reformismo tímido”).

b) Sobrecarga do Sistema Negociador:
A multiplicidade de mesas de diálogo saturou a capacidade institucional, levando ao que chamou de “a fadiga dos acordos”.

c) O Dilema da Velocidade:
Seu gradualismo chocou com as expectativas de mudança acelerada, gerando o que os analistas chamaram de “a lacuna freísta” entre conquistas reais e expectativas.

O legado para a Negociação Política Contemporânea:

a) Modelo de reformismo pactuado:
Demonstrou que mudanças estruturais podem ser implementadas mediante:

  • Negociação institucional
  • Respeito ao marco legal existente
  • Inclusão de atores diversos

b) Técnicas de governabilidade em contextos divididos:
Sua experiência antecipou desafios atuais de:

  • Governos minoritários
  • Fragmentação política
  • Demandas sociais aceleradas

c) Ética Negociadora:
Seu princípio de “lealdade à palavra dada”, mesmo com adversários, estabeleceu um padrão na política chilena.

Epílogo: a atualidade do Método Frei:
Em tempos de desconfiança institucional, o estilo negociador de Frei Montalva oferece lições sobre como construir acordos sustentáveis sem renunciar a transformações profundas. Sua convicção de que “a democracia é a arte de negociar o futuro sem trair o presente” continua ressoando como bússola para lideranças reformistas no século XXI.

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